sábado, 10 de novembro de 2012

RENASCIMENTO









 
RENASCIMENTO

 
A RUTURA DE DESCARTES COM A CULTURA DA ÉPOCA – A DÚVIDA METÓDICA – A PRIMEIRA EVIDÊNCIA: PENSO LOGO EXISTO – SEGUNDA E TERCEIRA EVIDÊNCIAS - O HOMEM CARTESINO

 
Se Galileu é justamente considerado o fundador da Ciência moderna, cabe a Descartes a designação de fundador da Filosofia moderna porque criou um sistema que entra em colisão frontal com a Filosofia aristotélica.

Descartes (1596-1650) - O século em que Descartes viveu representa a decadência do espírito renascentista, iniciado há mais de um século, com a influência marcante das consequências dos descobrimentos. Por toda a Europa havia um ceticismo resultante do encontro de novas terras, novas culturas e novos valores bem expresso nos Ensaios de Montaigne e na obra de Francisco Sanches. A ciência, em virtude do contributo de Galileu, vai-se libertando do domínio da filosofia e liga-se cada vez mais à técnica.

A rutura de Descartes com a cultura da sua época - Apesar de educado de acordo com a filosofia escolástica, que se tornara aristotélica desde o século XIV, Descartes rompe com este modo de pensar ao escrever o célebre Discurso do Método. Na primeira parte, submete todos os aspetos da cultura da sua época a uma crítica subtil, mas contundente. Rejeita o saber livresco renascentista, por ser muito afastado da realidade, rejeita os ensinamentos da lógica porque não servem para nada, rejeita o estudo das línguas antigas porque viajar ilustra mais sobre o mundo, rejeita a teologia porque o seu objeto (Deus) é de tal modo transcendente que o esforço dos teólogos é inútil. Acerca da filosofia acha que se envolve em tantas opiniões contraditórias que não garante nada com certeza. Apenas a matemática lhe aparece bem estruturada, embora não veja nela qualquer utilidade.

 A dúvida metódica - Empenhado em encontrar fundamentos sólidos para a filosofia, Descartes teve a intuição de um método radical. Supôs, como hipótese, que qualquer realidade ou afirmação, que oferecesse a menor razão para duvidar, era falsa e, por isso, não podia ser estabelecida como fundamento seguro. Duvidou dos dados dos sentidos, porque frequentemente nos induzem em erro. Duvidou dos conhecimentos adquiridos até então, porque eram contraditórios. Duvidou da realidade do seu próprio corpo, porque, quando estamos a sonhar, apresentam-se-nos coisas que são claramente falsas e que podem continuar a sê-lo quando acordados. Imaginou a existência de um génio maligno, que se divertisse a incutir-nos como certezas evidentes, coisas que são falsas. Esta dúvida radical de Descartes é frequentemente considerada um exagero.

Regras do Método - Descartes adverte que a sua dúvida faz parte de um método cujo objetivo é atingir a verdade. Nisto, diferencia-se bem da dúvida cética cujo objetivo é a própria incerteza. O método cartesiano (de Descartes) tem quatro regras, baseadas na estrutura da matemática, ciência que, como vimos, ele admirava. A primeira regra é a da evidência: não devemos aceitar nada no nosso pensamento que não nos apareça tão claro e distinto que não ofereça a menor hipótese de o pormos em dúvida. Tal evidência não se adquire através dos sentidos, mas apenas através da intuição. Esta consiste na iluminação interior que afeta o nosso pensamento. A segunda regra é a da análise e consiste em dividir pensamentos complexos em pensamentos simples até se tornarem evidentes. A terceira regra é a da síntese e caracteriza-se pelo caminho inverso da anterior: partimos de pensamentos simples, interligando-os até formarmos pensamentos complexos. A quarta regra é a da revisão e consiste numa última verificação dos passos anteriormente dados para nos precavermos de que o erro não se introduziu inadvertidamente.

A primeira evidência: penso logo existo - Uma vez estabelecido o método e percorrido o caminho da dúvida, Descartes inicia o processo reconstrutivo. Diz ele que não pode ter dúvidas que esteve a duvidar de todas as coisas. Mas, se duvidou, foi através do seu pensamento. Por isso, não pode ter dúvida que esteve a pensar: penso. E se tem a certeza que pensa, necessariamente é alguma coisa que pensa: logo existo. A primeira certeza de Descartes é então a da sua existência como ser pensante (e não, como ser corporal). Ora, o pensamento não é fisicamente captável, é de natureza metafísica. Por isso, a primeira evidência cartesiana é transcendente ao mundo que observamos! o qual, neste passo, está ainda mergulhado na dúvida radical. Ainda que continue a ser ilusão e sonho aquilo que os nossos sentidos nos oferecem, não é de modo algum possível, segundo Descartes, pôr em dúvida a nossa existência espiritual como seres pensantes. (Advirta-se que esta certeza cartesiana é válida apenas para quem a possui e por isso é fundamentalmente subjetiva).

Segunda e terceira evidências - Descartes sentiu grande dificuldade em sair do isolamento da sua própria certeza. Fez então o caminho inverso para tentar reconstruir um mundo idêntico ao que rejeitara, mas solidamente construído. Se esteve a duvidar é porque é um ser imperfeito pois, se fosse perfeito, teria certezas e não dúvidas. Mas como é que lhe surgiu a ideia de perfeição sendo ele imperfeito? De si próprio não pode ter surgido porque não possui a perfeição. Muito menos pode ter surgido do mundo que o rodeia, pois apresenta-se-lhe igualmente imperfeito. Então, conclui, só pode ter surgido de quem possui a perfeição, isto é, de Deus, a segunda evidência. A passagem da ideia de perfeição para a existência do Ser perfeito = Deus, é justificada porque se o Ser perfeito não existisse faltava-lhe a perfeição de existir que é, claramente, superior à não existência. (Não é difícil detetar um sofisma neste argumento).

Garantida a existência de Deus, Descartes passa a demonstrar a existência do mundo exterior, tendo sempre presente o critério da evidência. No entanto, tem dificuldade em justificar a diversidade dos corpos, reduzindo-os à identidade que lhes advém de serem substância extensa.

 O Homem cartesiano - Platão tinha definido o Homem como uma dualidade: a alma, preexistente ao corpo e proveniente do mundo das Ideias, era uma substância que foi condenada, por um motivo desconhecido, a viver encarcerada no corpo. Este fazia parte do mundo sensível e mantinha com a alma uma relação de "mau companheiro". Descartes, por um lado, não aceitava este dualismo platónico, por outro, ao considerar o pensamento como primeira evidência e o corpo como terceira evidência, acaba por incorrer na perspetiva platónica. De facto, se o pensamento implica a existência da alma como substância pensante e se o corpo é apenas substância extensa, idêntica a qualquer outro corpo, não se vê possibilidade de afirmar a unidade do Homem.

O mecanicismo cartesiano - Se todos os corpos se identificam como substância extensa, como explica Descartes as diferenças observadas? Apenas pela maior ou menor complexidade da interligação das diferentes partes. Assim, uma nora para tirar água de um poço é menos complexa que um moinho de vento ou um tear mecânico. O corpo dos animais é muito mais complexo que as máquinas construídas pelo Homem. O corpo humano é, segundo Descartes, a máquina mais complexa que tem, inclusivamente, uma relação íntima com a alma. Mas não passa de uma máquina. Esta perspetiva origina o mecanicismo que influenciou muito a corrente de medicina que observa o corpo do doente sem atender aos seus aspetos psicológicos.

A influência de Descartes - A filosofia cartesiana representa uma clara rutura com o pensamento da época, ainda sob o domínio da filosofia aristotélica. A partir de Descartes as marcas da teologia vão sendo abandonadas e a linha da interioridade, construída na primeira pessoa, impõe-se aos grandes pensadores.

A filosofia de Descartes deu origem a um movimento de seguidores que ficaram conhecidos como racionalistas, graças a importância atribuída à razão e ao menosprezo pelos dados dos sentidos, no processo de conhecimento. As verdades metafísicas (Deus, alma imortal) tinham a maior evidência e eram a garantia de todas as verdades. Em oposição ao cartesianismo, surgiu em Inglaterra, um movimento a que se chamou empirismo (defendia a maior importância dos sentidos no processo do conhecimento) iniciado por J. Locke e radicalizado por David Hume. A Filosofia do século XVII foi dominada por estas duas correntes antagónicas. No século seguinte, o século do iluminismo, Kant vai criar uma via alternativa, marcando um dos momentos mais altos da história do pensamento.

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